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Polly, nossa doadora de microbioma intestinal

Esse mês a Polly completa 6 anos de estadia conosco! (Leia sobre a história dela aqui.) Essa peluda (que está mais pra “pelada” rs) foi resgatada, recuperada e castrada pelas meninas da ONG Projeto Segunda Chance e acreditamos que tenha entre 9 e 10 anos de idade. Além de ser uma cadelinha maravilhosa, super carinhosa e bem-humorada, Polly assumiu recentemente uma outra função muito especial: ela é doadora de microbioma intestinal em uma conduta experimental que estamos realizando aqui na MOM Pet Store, onde atendo.

Não entendeu nada? Eu explico! 😉

O microbioma (ou a microbiota) intestinal, para quem nunca ouviu falar nesse termo, são os trilhões de microorganismos que habitam o intestino de qualquer animal – ou humano. Mas não é preciso temer esses micróbios. Pelo contrário. Esse ecossistema mais complexo que qualquer floresta desempenha um papel essencial à saúde imunológica (pasme: até 85% do sistema imunológico mora no intestino!), produz precursores do bem-estar, vitaminas como a B12 e a K e fermenta vegetais gerando ácidos graxos que nutrem as células do intestino. Em um microbioma intestinal saudável, a proporção de bactérias benéficas à saúde supera a de bactérias patogênicas (perigosas), mantendo em cheque a população desse último tipo e evitando que gere doenças.

Acontece que incontáveis cães e gatos não possuem um ecossistema bacteriano intestinal saudável. Nesses animais o microbioma é frágil, a proporção de bactérias perigosas é maior e o intestino “estranha” qualquer mudança na dieta ou na rotina. Esse desbalanço recebe o nome de disbiose.

A disbiose causa inflamação da mucosa gastrintestinal que resulta em constantes ou cíclicos episódios dos seguintes sinais clínicos, que podem ou não estar associados:

  • diarreia
  • fezes com muco (parece uma clara de ovo) ou sangue
  • vômitos
  • borborigmos (ruídos abdominais)
  • cólicas, com ou sem “posição de prece” (bumbum pra cima, frente no chão, como se estivesse prestando reverência)
  • comportamentos indicativos de incômodo gastrintestinal: lambedura compulsiva de superfícies, frisos, rejunte, o próprio nariz, pernas e mãos dos tutores, fitofagia (ingestão de gramíneas), ingestão de objetos (pedras, fiapos, papel etc) e ato de “mascar” (estalar os lábios, como a gente faz quando quer sentir melhor o gosto de algum alimento)
  • inapetência ou apetite irregular, imprevisível

Com a cronificação dessa inflamação, a mucosa do intestino perde sua permeabilidade seletiva e começa a deixar passar para corrente sanguínea partículas inteiras de alimento não-digerido, toxinas e microorganismos patogênicos. Isso atrai a atenção do sistema imunológico, que começa a atacar esses invasores. Desse processo surgem manifestações secundárias: hipersensibilidade alimentar (“alergia” a alimentos), que pode gerar coceira, vermelhidão na pele, piodermite (espinhas com pus), lambedura de patas, otites, inflamação nas glândulas ad-anais (do bumbum), nos ductos lacrimais, gerando secreção e manchas ao redor dos olhos e múltiplas outras manifestações tão comuns hoje em dia.

Mas o que leva um peludo a desenvolver a disbiose? Vários fatores. Dentre os principais:

  • Nascimento por cesárea (a passagem pelo canal do parto é importante por fornecer ao filhote o microbioma saudável da mãe)
  • A não-ingestão do colostro materno
  • A ocorrência de uma forte verminose ou infecção intestinal (por exemplo, a parvovirose) quando o animal é filhote
  • A antecipação do desmame e introdução precoce de ração
  • Consumo prolongado de ração à base de milho e soja transgênicos (sempre contaminados pelo herbicida glifosato 2,4D), por definição, um alimento pró-inflamatório e alergênico
  • O uso indiscriminado de antibióticos, vermífugos e imunossupressores (ciclosporinas, corticoides etc) para tratar qualquer coisinha.

Posto assim fica fácil entender porquê hoje em dia tantos cães estão apresentando disbiose, né?

A boa notícia é que cada vez mais estudos e casos clínicos demonstram que pode ser possível resetar (restaurar do zero) o microbioma bacteriano intestinal através de uma modalidade de tratamento chamada Terapia Restauradora do Microbioma Intestinal (TRMI), um nome chique para “transplante de fezes”.

É aí que entra a Polly ou, melhor, o cocô da Polly. Lá na MOM, onde atendo, a Dra. Ana Paula segue o protocolo descrito no final deste post e tem transfundido amostras fecais da Polly em pacientes com microbioma intestinal comprometido. O procedimento é rápido (cerca de 15 a 20 minutos), indolor e não requer sedação ou anestesia. Isso é feito em associação com mudança dietética, prescrição de nutracêuticos e em alguns casos, ozonioterapia, e os resultados via de regra são impressionantes.

Nosso primeiro paciente de TRMI foi o Bernese Mountain Dog, Bento. Do nada, ele começou a apresentar fezes amolecidas, cólicas e secreção amarelada nos olhos. Nos certificamos que ele não estava parasitado (com verminose) ou com corpo estranho (objeto retido no trato digestório), trocamos sua dieta (AN Crua Com Ossos baseada em frango) por uma dieta cozida hipoalergênica, e a super vet homeopata Dra. Carmen Cocca entrou com nutracêuticos, probióticos e homeopáticos. Os resultados das dosagens de ácido fólico e vitamina B12 do Bento indicaram hipersensibilidade alimentar (uma possível intolerância ao frango). Mas mesmo com esse arsenal de terapias, o Bento não melhorava. Foi quando decidimos dar uma chance ao transplante de fezes. Bento fez uma sessão de ozonioterapia com o Dr. Adriano Caquetti e recebeu sua primeira sessão de TRMI. Se ver fotos de cocô mole não te incomoda, clique abaixo para ver a incrível evolução do quadro.

Clique aqui para ver a evolução do quadro do Bento
O Bento passou semanas fazendo cocôs assim sem que nada – nem mudança de dieta, vermifugação, homeopatia, probióticos, fitoterapia, auto-hemoterapia – parecesse ajudá-lo de fato. Essa foto é de 14 de março de 2017.

No dia seguinte à primeira aplicação de ozonioterapia e transplante de fezes, ele fez o cocô da primeira imagem. Isso foi em 16 de março de 2017. E nos próximos dias, fez os cocôs que seguem abaixo. Foi ficando cada vez melhor. Desde então, ele apresentou algumas recaídas, mas está com o intestino estável há dias. E os olhinhos estão livres de secreção (sim, há uma ligação entre todas as mucosas; se a do intestino inflama a dos olhos pode inflamar também). Nada mal, né?

Assim como a Polly, os candidatos a doadores de microbioma precisam ser pra lá de naturebas: comer só AN caseira (de preferência crua), fazer controle de pulgas e carrapatos com fitoterápicos e homeopáticos (sem inseticidas), não receber vacinas desnecessárias, não fazer uso de medicações que interferem no microbioma (imunossupressores, antibióticos), não ter histórico de gastrointerite ou disbiose e estar saudáveis (Polly está no peso ideal, faz check-ups periódicos, inclusive de fezes, e estão normais).

Se interessou por saber mais? Como funciona uma sessão de TRMI? Se seu cão ou gato poderia receber a transfusão? Se poderia ser doador? Então, não deixe de ler duas super traduções que a Vanessa Fermino, co-idealizadora do Cachorro Verde preparou. Elas seguem abaixo. 🙂

Transplante fecal: uma terapia incrível de que você provavelmente nunca ouviu falar

Artigo postado originalmente em 13 de dezembro de 2015 e escrito pela médica-veterinária norte-americana Dra. Karen Becker (leia o original em inglês aqui).

Hoje estou conversando com a Dra. Margo Roman, uma colega veterinária integrativa e proprietária do Hospital Veterinário da Main Street de Hopkinton, localizado na região de Boston, Massachusetts, nos Estados Unidos. A Dra. Margo oferece muitas terapias alternativas de ponta aos seus pacientes e hoje quero conversar com ela sobre um interessante tratamento chamado “Terapia Restauradora do Microbioma Intestinal“, também conhecido como “transplante de fezes”.

A Dra. Margo aprendeu sobre essa terapia quando leu um artigo sobre um médico que estava tratando uma paciente humana com uma infecção causada por Clostridium difficile (C. diff) – uma bactéria intestinal com potencial devastador, que mata cerca de 29 mil pessoas por ano só nos Estados Unidos.

A paciente com C. diff no artigo tinha perdido cerca de 18kg e estava perto da morte. De acordo com a Dra. Margo, “o médico colheu uma amostra de fezes do marido da paciente, colocou num liquidificador e administrou à paciente por um tubo nasogástrico.” Dentro de 2 dias, a paciente já estava apresentando funcionamento intestinal normal e tinha se recuperado completamente. O médico repetiu o mesmo procedimento em mais de 100 pacientes com C.diff, e destes, 97 pacientes tiveram uma melhora completa com apenas uma aplicação do transplante.

Dra. Margo pensou consigo mesma: “Cães comem fezes mesmo. Eu não estaria fazendo nada que eles não já fazem – eu só estaria os direcionando para as fezes certas!”

O primeiro transplante fecal da Dra. Margo foi em um cão chamado Stovin

Dra. Margo leu aquele artigo há 10 anos e ficou pensando “Eu deveria fazer isso. Deveria administrar aos meus pacientes cocô de um dos meus cães saudáveis e ver o que acontece”. Finalmente, ela teve o seu primeiro caso. Foi um Poodle Standard cujo tutor tinha investido mais de 16 mil dólares em tratamentos na tentativa de melhorar seu quadro de severos problemas gastrointestinais e hiperadrenocorticismo.

O cão, Stovin, estava tão magro que teve que ser carregado até o consultório da Dra. Margo. Ele estava sofrendo de uma hemorragia gástrica e ninguém conseguia descobrir a causa. Dra. Margo o tratou com acupuntura, ozonioterapia e um transplante fecal, e o Stovin se recuperou completamente.

Stovin antes do tratamento

Stovin depois do tratamento

Com o sucesso no tratamento do Stovin a Dra. Margo percebeu o enorme potencial da Terapia Restauradora do Microbioma Intestinal. Stovin havia recebido múltiplos ciclos de antibioticoterapia e outras medicações, tinha sido tratado contra infecções urinárias que passavam e voltavam. Depois do transplante fecal ele passou a receber somente a medicação para controle do hiperadrenocorticismo e uma dieta caseira à base de alimentos frescos.

Dra. Margo usa fezes dos próprios cães dela porque eles nunca receberam antibióticos e se alimentam somente de dieta crua, orgânica e fresca. Tudo na casa dela é totalmente natural e ecologicamente sustentável, ela não usa herbicidas nem pesticidas na casa nem nos pets. Ela acredita que quanto mais livre de toxinas é a vida do cão, mais poderoso é o efeito do sistema imunológico no microbioma dele.

Preventivos contra verme do coração deflagram a agressividade de Archie

Outro paciente da Dra. Margo que recebeu a terapia foi um Fox Terrier de Pêlo Duro chamado Archie, que mora com sua irmãzinha canina, Agatha. Archie tem uma deficiência de imunoglobulina e sempre foi agressivo com a Agatha. Ele subia em cima dela e a dominava, e sempre agia como um cão bravo e ansioso.

Dra. Margo fez um transplante fecal no Archie e depois de 24 horas ele estava lambendo a Agatha, que era algo que ele nunca havia feito. Depois disso ele passou a conseguir comer alimentos que antes sempre lhe causavam diarreia. Sua ansiedade desapareceu e ele ficou calmo e equilibrado.

Duas semanas e meia depois do transplante, Archie recebeu uma dose de Interceptor (equivalente ao vermífugo Milbemax), uma medicação usada para a prevenção de verme-do-coração, que é um antibiótico associado a um parasiticida. No dia seguinte à administração do Interceptor, Archie atacou ferozmente sua irmã Agatha, e os dois foram parar no hospital veterinário, com graves ferimentos de briga.

Depois de recuperado dos ferimentos, Archie recebeu outro transplante fecal, e logo em seguida ele voltou a lamber e brincar com Agatha. Alguma coisa no ajuste da microbiota intestinal do Archie causado pelo transplante mudou o seu temperamento e a sua digestão. Ele não recebe mais Interceptor, e a Dra. Margo diz que é importante lembrar que todas as medicações preventivas de uso mensal são antibióticos.

Archie e Agatha

Isso fez a Dra. Margo perceber quão frágil a microbiota pode ser – um comprimido contra verme-do-coração conseguiu perturbar completamente o equilíbrio das bactérias no intestino. Atualmente, ela é bastante cuidadosa na administração dos preventivos de vermes e parasitos. Com os seus próprios cães, ela coleta uma amostra de fezes deles, mantém essa amostra na geladeira por 24h, administra uma dose baixa do medicamento preventivo, e depois realiza um transplante no cão, com as fezes dele mesmo. “Eu não posso arriscar perder o bioma para um comprimido de verme-de-coração”, diz a Dra. Margo.

Alérgico, pobre Mojo recebe um transplante fecal

Dra. Margo tratou com sucesso um grande número de problemas comportamentais com o transplante fecal, como, por exemplo, o gato Mojo.

Mojo foi castrado quando era um filhotinho, então seu corpo não foi exposto a nenhum hormônio sexual. Ele desenvolveu uma severa dermatite atópica, com crostas por toda a sua cabeça. Ele foi examinado por alergologistas e dermatologistas, recebeu ciclosporina, corticóides e antibióticos por 2 anos, mas nada ajudou. Mojo era um furioso e infeliz gato de 7 anos.

Dra. Margo usou o próprio gato dela, Trapper, como doador de fezes. Trapper recebe uma dieta crua e só foi castrado depois de adulto. Moje recebeu um transplante das fezes do Trapper (uma semana depois que o Trapper foi castrado) e também ozonioterapia para reduzir o biofilme e auxiliar o sistema imunológico. Depois de apenas dois dias Mojo parou de se coçar e a sua pelagem começou a crescer de volta. Em duas semanas ele já não se coçava mais e estava muito mais feliz.

Na verdade, Mojo ficou tão melhor que depois de 6 semanas a tutora dele viajou por 2 horas para coletar mais amostras de fezes da caixinha de areia do Trapper, levou-as de volta pra casa e deu para o Mojo, goela a baixo. Mojo era um novo gato – feliz, brincalhão, e ainda por cima, montando no braço da sua tutora! Parece que o transplante fecal também causou um efeito positivo nos hormônios sexuais do Mojo.

Mojo antes do transplante

Mojo, depois do transplante

Dra. Margo explica:

“De onde vêm os hormônios sexuais e do crescimento? Eles vêm do intestino. Se um animal muito jovem é castrado e também recebe antibióticos, esses hormônios ficam em falta. O corpo precisa de todos os precursores e bloquinhos de montar para fabricar seus hormônios, e eles provavelmente vêm do intestino.”

Dra. Margo já criou quatro gerações de Poodles Standard e atualmente ela tem duas gerações na casa dela. Ela usa o bioma dos mais jovens, que não são castrados, num sistema que ela chama de “mixologia de microbioma”, que mistura os biomas dos cães mais jovens e mais vigorosos com o dos cães mais velhos com câncer. Os cães doentes que recebem a mistura começam a agir com filhotes, como explica a Dra. Margo, “eles estão recebendo a memória de ser capaz de lutar contra o câncer”. Uma das cadelas dela, Geneva, desenvolveu um câncer mamário maligno aos 7 anos de idade, e sobreviveu por mais 7 anos e meio.

Transplante fecal pode curar coprofagia

Coprofagia, ou o ato de comer cocô, é um comportamento bastante desagradável com o qual nenhum tutor gosta de conviver. Contudo, o que motiva esse comportamento é provavelmente o instinto do cão de buscar algo que seu corpo está sentindo falta.

Outro paciente da Dra. Margo era um cão de serviço de New England, um lindo Labrador que foi criado desde cedo para ser um cão de assistência. Entretanto, porque ele tinha o hábito de comer suas próprias fezes assim que ele defecava, ele não se qualificava para trabalhar como cão de assistência. E ele também tinha problemas de ansiedade.

O tutor do cão já estava o alimentando com uma dieta crua, mas ele ainda estava comendo seu cocô. Então, Dra. Margo preparou o intestino dele administrando enzimas digestivas e glandulares intestinais, e então fez nele um transplante fecal com ozonioterapia. Depois de 24h do transplante ele parou com o comportamento de coprofagia.

Ela tratou cerca de quatro ou cinco casos de coprofagia, e em cada um dos casos o resultado foi que os cães pararam de comer fezes, o que é uma taxa de sucesso de 100%! “Os cães estavam se auto-medicando e eles precisavam de um bioma mais completo para ajudar a trazer o equilíbrio para o próprio bioma deles”, disse a Dra. Margo.

Preparando o terreno para um transplante fecal de sucesso

Como o transplante fecal é uma terapia alternativa e a maioria dos veterinários nunca ouviu falar disso, eu perguntei à Dra. Margo como os tutores de cães e gatos podem aprender mais sobre o assunto. Os transplantes podem ser administrados oralmente ou por via retal?

A recomendação da Dra. Margo é a de visitar o site dela, chamado Eat Sh*t & Live!” (Coma cocô e viva!). O assunto é nojento, vamos admitir, então precisávamos de um nome fácil de lembrar e que também trouxesse um pouco de humor à situação! No site você encontra pesquisas de grandes hospitais dos Estados Unidos (Geral de Massachusetts, Mayo Clinic e Cedar Sinai), que estão realizando transplantes fecais em pacientes humanos. No Geral de Massachusetts, por exemplo, eles já estão usando cocô em cápsulas.

O procedimento que a Dra. Margo usa envolve um liquidificador pequeno e barato – que ela obviamente destina somente a esse uso. Ela coloca o cocô no liquidificador com um pouco de soro fisiológico e bate um pouquinho, só até obter um líquido grosso. Depois ela coa o líquido, despreza os pedaços grandes e coloca a mistura líquida em uma seringa. Em seguida ela aplica ozônio no reto do paciente para limpar o intestino do biofilme, que é uma camada de muco que se forma na superfície do intestino e que acaba protegendo as bactérias perigosas.

Depois de alguns minutos, ela leva o cão para fora do consultório para defecar e assim limpar o cólon. Então ela injeta a mistura da seringa dentro do reto e massageia o abdômen do paciente em movimentos de cima para baixo para dar ao transplante a chance de “encontrar sua nova casa”.

Antes de tudo isso acontecer, o intestino do cão precisa estar preparado para aceitar o transplante. O cão precisa estar se alimentando de preferência com uma dieta crua, fresca e livre de transgênicos. Precisa estar recebendo probióticos, nutracêuticos e, se possível, colostro e glandulares, para melhorar a saúde intestinal. Dra. Margo aprendeu que quando o intestino é preparado dessa forma, o transplante funciona, e funciona com uma única aplicação.

Alguns cães precisam que o transplante seja repetido por conta de algumas condições de saúde, particularmente os cães com deficiência de imunoglobulinas. Os tutores desses cães vêm até a clínica da Dra. Margo, pegam um pacotinho de cocô, levam pra casa e o mantém no freezer. Quando o cão começa a apresentar algum problema, eles pegam um pedacinho do cocô congelado e dão para o cão, goela a baixo, e ele melhora.

Uma dieta livre de transgênicos é importante para o sucesso dos transplantes fecais. Os alimentos geneticamente modificados, encontrados na maioria das rações (milho, trigo, soja) matam o microbioma. O glifosato 2,4D, pesticida empregado a rodo no cultivo dos transgênicos foi desenvolvido especificamente para exterminar microorganismos.

O interesse no transplante fecal está crescendo em todo o mundo

Apesar da natureza estranha e nojenta da Terapia Restauradora do Microbioma Intestinal, a Dra. Margo diz que ela está recebendo uma grande aceitação, tanto nos EUA como em outros países. Nos EUA, o transplante fecal para tratamento de infecções com C. diff é amplamente aceito e considerado 97% efetivo na cura desta infecção.

Dra. Margo está tentando encorajar veterinários a parar de usar vancomicina e metronidazol e tentarem ozônio no lugar destas drogas, porque ele estimula o intestino de uma forma saudável, ao auxiliar as mitocôndrias das células da mucosa intestinal. Ele pode até estimular o crescimento de células-tronco no mais profundo nível da cripta intestinal. Tudo isso sem matar todas as bactérias, boas e ruins, como fazem os antibióticos e vermífugos.

Dra. Margo já enviou amostras de fezes dos cães dela para veterinários em Dallas, na Flórida, em Chicago e na Califórnia. Ela já recebeu pedidos de veterinários em outros países, mas ela acredita que, legalmente, não poderia enviar esse tipo de material internacionalmente no momento. Ela também abriu um banco de fezes que está enviando microbiomas da sua clínica.

Para saber mais, visite o “Eat Sh*t & Live”. Eles estão recebendo pedidos para cães e gatos que necessitam de ajuda para renovar o microbioma intestinal. Dra. Margo está tratando todos os tipos de problemas gastrointestinais, incluindo a síndrome do intestino irritável, C. diff, C. perfringens, e giárdia, assim como problemas renais e hepáticos, problemas comportamentais e câncer. Pets que estão recebendo quimioterapia precisam ter seus microbiomas restabelecidos e cultivados.

Dra. Margo espera conseguir estabelecer uma população de cães doadores de fezes em cada área dos EUA. Ela aconselha os clientes e veterinários de outras áreas a procurar por cães criados de forma natural e que sejam protegidos do contato com toxinas e vacinações desnecessárias em suas regiões. As doações de fezes desses animais podem ajudar outros animais que tenham sido tratados com antibióticos ou outras drogas em excesso. Dra. Margo recebeu pacientes em seu consultório que já haviam passado por 20 tratamentos com antibiótico. Nenhum bioma consegue se manter saudável nessas circunstâncias.

Agradecemos a Dra. Margo Roman por conversar comigo hoje e por proporcionar a pets doentes uma terapia natural, de bom senso, e praticamente gratuita. Novamente, se você deseja aprender mais sobre a Terapia Restauradora de Microbioma Intestinal e o trabalho da Dra. Margo, visite o site dela.

Ok. Mas como exatamente aplicar o transplante fecal?

Abaixo está a tradução do artigo escrito em 2014 pela Dra. Margo Ronan para o Integrative Veterinary Care Journal, um periódico internacional de Medicina Veterinária Integrativa.

Terapia Restauradora de Microbioma Intestinal curando o sistema imunológico

por MARGO ROMAN, DVM, CVA, COT, CPT
publicado no IVC JOURNAL ~ outono de 2014 (leia o artigo original aqui)

A Ciência vem a cada dia reconhecendo a importância do microbioma (a “flora”), que se origina no sistema gastrointestinal de gatos, cães e outros mamíferos. Pesquisas mostram que o microbioma existente no trato gastrintestinal desempenha um profundo papel no desenvolvimento e na maturação do sistema imunológico depois do nascimento. Também é amplamente estabelecido que aproximadamente 80% a 85% do sistema imunológico se localiza no intestino.

Essa ideia não é surpreendente dada a vasta quantidade de microorganismo presentes no corpo. Um corpo humano possui mais de 100 trilhões de micróbios de mais de 500 espécies, o que responde por cerca de 2,25kg do peso do corpo de uma pessoa! Há mais micróbios do que células, considerando que eles são muito menores do que as células humanas. No entanto, quando administramos probióticos para auxiliar a saúde intestinal, usamos apenas de uma a vinte espécies de microorganismos. Isso pode ser completamente inadequado, considerando as centenas de espécies que precisam ser restabelecidas em um organismo alterado. Uma vez que a diversidade da flora é responsável pela saúde do sistema imunológico, a falta desses micróbios simbióticos normais podem ser a razão para uma falha no sistema imunológico, o que resulta não só em doenças do sistema gastrointestinal, mas também em câncer, alergias e doenças auto-imunes, assim como problemas de ordem comportamental.

E se os probióticos têm um efeito tão limitado, como podemos restaurar o microbioma? Embora nossa primeira reação seja de nojo, pesquisas em todo o mundo indicam que a Terapia Restauradora de Microbioma Intestinal (TRMI) – que é o ato de administrar fezes de um animal ou humano saudável a outro indivíduo da mesma espécie – pode ser a forma mais eficiente de reativar a flora do intestino. TRMI permite que o sistema imune utilize os micróbios recém-introduzidos para iniciar uma nova simbiose, o que, por sua vez, pode ajudar na cura de doenças.

TRMI pode melhorar uma série de problemas de saúde relacionados ao sistema gastrointestinal em cães e gatos, incluindo a síndrome do cólon irritável, diarreia crônica (doença inflamatória intestinal crônica), doenças de pele, comportamento agressivo e outros. TRMI pode ser administrado por via oral ou por enema (via retal), transplantando fezes de um doador saudável para o animal imunocomprometido.

Pesquisas mostram resultados positivos

Múltiplos artigos têm mostrado que a infusão tanto por via oral quanto retal de material fecal em humanos têm sido capaz de criar um trato gastrointestinal equilibrado e interromper crescimento excessivo da terrível bactéria Clostridium difficile.

Evidências iniciais apontam a TRMI como fundamental para os tratamentos de problemas gastrointestinais e autoimunes em mamíferos. No hospital Main Street Animal Services de Hopkinton (MASH), mais de 350 TRMIs em cães e gatos proporcionaram enormes melhorias na saúde e até curas.

Ainda que a ideia de usar fezes como terapia pareça estranha, considere que médicos têm usado outros fluidos do corpo como tratamento, como frações do leite materno, sangue, medula óssea, e mesmo órgãos, há anos. Algumas culturas vêm usando urina como terapia por séculos.

Para cães e gatos, o conteúdo do trato gastrointestinal das presas é parte da sua dieta ancestral. Na natureza, os intestinos e órgãos da caça são geralmente as primeiras partes a serem consumidas. Elas contêm pré e probióticos do material vegetal digerido pela presa. Cães também buscam carne em estado de decomposição, onde também obtêm ainda mais microorganismos.

Usando TRMI no seu atendimento

Este protocolo é muito fácil e pode ser integrado a práticas convencionais e holísticas. O passo mais importante é selecionar um doador de fezes saudável. Isso é crucial. A preparação não requer nenhum equipamento especial. A administração é simples, ainda que precise ser adaptada às necessidade do animal, principalmente gatos.

Selecionando o doador

Doadores de fezes precisam ser saudáveis, livres de medicações e pesticidas, e preencher os seguintes critérios:

1. Ser minimamente vacinado, de preferência com vacinas que não contenham derivados de mercúrio (como timerosal), conservantes, nem hidróxido de alumínio.

2. Beber água filtrada, de preferência sem flúor ou cloro.

3. Não fazer uso, nem por via oral nem por via tópica, de pesticidas contra pulgas e carrapatos. E o mínimo possível de preventivos químicos contra verme do coração, e não ter contato com fertilizantes químicos ou produtos tóxicos para tratamento do jardim.

4. Ser alimentado com uma dieta caseira crua com alimentos livres de antibióticos, vegetais crus orgânicos e triturados, e, se a dieta contiver grãos, que não sejam transgênicos.

5. Ser fisicamente ativo, passando a maior parte do seu tempo ao ar livre.

6. Nunca ter passado por tratamentos com antibióticos, antiinflamatórios não-esteroidais ou outras medicações que suprimem o trato gastrointestinal.

7. Ser tratado com fitoterapia, nutracêuticos, medicina tradicional chinesa, homeopatia ou outras modalidades naturais quando fica doente.

8. Apresentar resultados negativos para parasitos intestinais em exames de fezes e, se possível, ter resultados normais para imunoglobulinas A, G e M na Avaliação Endócrino Imunológica do Dr. Plechner (este último exame não está disponível no Brasil).

9. Realizar avaliações fecais periódicas que forneçam informações sobre a composição da flora intestinal, pesquisando as espécies Clostridium diff. , Clostridium perfingens e Campylobacter.

10. De preferência, não ser castrado, pois os hormônios sexuais contribuem para o equilíbrio natural do sistema imunológico.

Coleta

A amostra fecal para doação é simplesmente recolhida durante um passeio supervisionado, ou no caso dos gatos, diretamente da caixa de areia, imediatamente após a defecação, colocada em um saquinho plástico e refrigerada. Na clínica, você pode simplesmente vestir uma luva e, com um pouco de aloe vera natural como lubrificante, inserir um dedo no reto do doador e retirar a amostra. Use as amostras mais frescas do dia.

Administração ao paciente

As fezes são administradas frescas, a partir de uma amostra colhida no mesmo dia. Quando isso não for possível, use uma amostra congelada. São três maneiras de fazê-lo:

  • Coloque a quantidade de uma dose de fezes diretamente no fundo da garganta do paciente.
  • Envolva a amostra em carne moída crua e ofereça ao paciente.
  • Aplique a amostra em forma de enema, especialmente para gatos. O método “a”, do liquidificador é o melhor:

a. Método do liquidificador: usando um pequeno liquidificador ou mixer (destinado exclusivamente para este fim), adicione duas colheres de sopa de fezes do doador e 60ml de soro fisiológico. Triture por alguns poucos segundos, só o necessário para criar uma pasta. Não triture mais do que o necessário para não aquecer a mistura com o calor gerado pelo movimento das hélices do aparelho. Isso pode danificar as bactérias da amostra.

b. Método do copo: perfure o fundo de um copo descartável múltiplas vezes com uma agulha de 1mm para criar uma peneira. Em um segundo copo, misture uma colher de sopa de fezes do doador com 20ml de soro fisiológico, misturando bem até formar um creme ralo. Se a mistura estiver muito firme, adicione mais 10ml ou 20ml de soro. Peneire a mistura colocando o copo perfurado sobre um terceiro copo limpo e despejando a mistura sobre o copo perfurado. Descarte o que ficar preso no copo perfurado e use o que escorrer dele para o terceiro copo.

c. Antes de aplicar a mistura no cólon, aplique gás ozônio ou oxigênio (na dose indicada para o porte e condição do paciente) via insuflação retal com um cateter para reduzir o biofilme que existe na maioria dos intestinos – lembre-se de passar o cateter usando um lubrificante natural, como aloe vera, porque os antissépticos contidos nos lubrificantes comuns vão anular o efeito do procedimento.

d. Remova o cateter. Segure para baixo a cauda do paciente por cerca de 15 minutos para evitar que o ozônio insuflado escape. Depois o paciente pode ser levado para fazer cocô e limpar o cólon e reto.

e. Puxe a dose de fezes em uma seringa de 25ml a 60ml, deixando de 5ml a 10ml de ar atrás para ajudar a limpar as fezes do cateter.

f. A dose da mistura para cães pequenos e gatos é de 10ml a 20ml, e para cães maiores, de 30ml a 50ml.

g. Substitua o cateter por outro, com lubrificante natural (aloe vera) e injete a mistura de fezes.

h. Mais uma vez, segure a cauda do paciente para baixo e massageie o abdômen dele, para que as fezes desçam pelo cólon. Você pode suspender e chacoalhar levemente a parte traseira de pacientes de pequeno porte.

i. Evite que o paciente defeque logo em seguida, e, se possível, até o dia seguinte. Basta impedir que ele caminhe sozinho pela clínica, passeie na rua, e tenha acesso ao local onde costuma defecar.

Primeiro, a aplicação de ozônio limpa o biofilme do intestino. Foto: http://eatsh-tandlive.com/procedure/

Transplantes fecais na prática veterinária

Para aumentar o sucesso do transplante, se possível aprimore a flora intestinal do paciente com enzimas digestivas, probióticos, glandulares, tripa verde (“green tripe”, o rúmen de ruminantes cru, contendo capim digerido) e uma dieta de carnes cruas por pelo menos duas semanas, se a condição do paciente permitir. A animal precisa estar sem receber antibióticos há pelo menos uma semana, para evitar que a medicação destrua a o bioma recém introduzido. Alguns pacientes podem receber também antioxidantes, espirulina orgânica e ácidos graxos ômegas-3. Isso melhora as condições de sobrevivência dos novos micróbios e promove simbioses saudáveis no sistema do paciente. Observamos que a TRMI acelera positivamente os resultados em pacientes que estejam recebendo também outros tratamentos, como quimioterapia, acupuntura, homeopatia ou quiropraxia.

Como fazemos sempre nas abordagens holísticas, nós customizamos o tratamento de acordo com a resposta do paciente. Em alguns dos nossos casos foi preciso apenas uma dose para uma recuperação total e duradoura. Outros apresentaram uma melhora de duas semanas, com algumas recaídas, então precisamos repetir as doses em alguns dias ou semanas. Acreditamos que o que acontece é que o reabastecimento dos microrganismos está ocorrendo, mas a superfície colonizada não consegue se fixar às paredes do intestino porque não é forte o suficiente. Podemos precisar de um “fixador de microbioma” para ajudá-lo a se manter na mucosa intestinal.

Assim sendo, os tutores devem levar para casa a amostra de fezes, mantê-la congelada e ir administrando algumas doses repetidamente. São necessários mais estudos de outras clínicas veterinárias em conjunto com o MASH para determinar quanta matéria fecal deve ser transferida e dentro de quanto tempo a fim de otimizar o reequilíbrio do microbioma intestinal.

Doenças/sintomas que foram tratados com sucesso na nossa clínica com TRMI incluem diarreia crônica, doença inflamatória intestinal crônica, ataxia severa com elevações das enzimas hepáticas, hipotireoidismo, agressividade severa, ansiedade, uma variedade de doenças de pele, vários tipos de câncer, doença de Lyme, complicações renais e náusea, cistites recorrentes, otites de repetição, giardíase crônica, vômito e anorexia, dermatite atópica e sarna demodécica.

O Futuro da TRMI

Através de pesquisas com microbioma intestinal iremos um dia identificar as mais de 500 espécies e milhares de subespécies de micróbios presentes em todo o trato digestório. Um dia teremos catálogos de bactérias e micróbios que você poderá comprar para suprir as deficiências específicas do trato gastrointestinal de um indivíduo. Um dia iremos também entender as relações simbióticas entre as diferentes espécies. Vamos compreender que determinadas espécies de micróbios estimulam o sistema imunológico com funções específicas. Por exemplo, será que um cão precisa da ação de um determinado micróbio para prevenir um tipo de câncer? Ou para fortalecer seu organismo contra a doença do carrapato?

Um primeiro passo seria o de iniciar um diretório de doadores de fezes que possa conectar pets saudáveis com animais que necessitam de restauração do seu próprio microbioma.

Assista aqui a vídeos que demonstram passo-a-passo a aplicação de ozônio retalmente (para limpar o biofilme) e em seguida a aplicação do transplante fecal.

Acha que seu cão ou gato poderia ser doador de fezes? Por favor, participe da nossa enquete em busca de doadores por todo o Brasil.

Bibliografia:

1. Power SE, O’Toole PW, Stanton C, et al. “Intestinal microbiota, diet and health”. British Journal of Nutrition, 2014; 111(03): 387-402.

2. Fujimura KE, Slusher NA, Cabana MD, et al. “Role of the gut microbiota in defining human health”. Expert Rev Anti Infect Ther, 2011; 8(4):435-454.

3. van Nood E, Vrieze A, Nieuwdorp M, et al. “Duodenal Infusion of Donor Feces for Recurrent Clostridium difficile.” N Engl J Med, 2013; 368:407-415.

4. Forsythe P, Chew MV, Escaravage E, et al. “Ingestion of Lactobacillus strain regulates emotional behavior and central GABA receptor expression in a mouse via the vagus nerve”. PNAS, 2011; 108(4):16050-16055.

5. Plechner, Al. “Plechner’s Syndrome or Atypical Cortisol Estrogen Imbalance Syndrome (ACEIS)”. Accessed 25 May 2014.

6. Artigo científico italiano prova que cães que comem AN com carnes cruas (sim!) têm microbiomas intestinais mais saudáveis.

7. Essa universidade americana já está oferecendo um exame que verifica a presença e o grau da disbiose (sim!) nos cães.

8. Estudo científico de 2017 com três casos de transplante fecal em cães.

9. Relato de um caso clínico de filhote canino que se salvou da parvovirose com TRMI.

Se você compreende bem inglês, não deixe de assistir a dois fascinantes (e curtos) vídeos: