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Muitas meias verdades envolvendo alimentação de cães e gatos continuam firmes e fortes, apesar de várias terem sido descreditadas. É impressionante a tenacidade da primeira versão de uma história, né?

O ambiente virtual é parte do problema e da solução. Sim, há plataformas para pesquisar a fundo assuntos e averiguar dados, mas usá-las exige tempo, disposição e conhecimento mínimo para separar a informação confiável de uma ultrapassada ou estapafúrdia. Ao mesmo tempo somos inundamos nas redes sociais por notícias superficiais que parecem confiáveis e importantes o bastante para justificar um compartilhamento automático.

Some-se a isso o fato de que nutrição é uma área cujo estudo está, na minha opinião, mais atrelado do que deveria a interesses comerciais. Grande parte do que veterinários aprendem e reproduzem sobre alimentação de pets reflete mais a perspectiva dessas empresas do que propriamente o que se conhece como verdade. Daí vem noções questionáveis como “gatos adultos devem ter acesso irrestrito à ração”, “ração seca ajuda a limpar os dentes” e “ração é o único alimento válido”. Estar envolvida com Alimentação Natural (AN) de maneira pessoal e profissional há tantos anos me deu condições de compreender como é construído o cânone da nutrição de cães e gatos e conhecer seus principais filtros e editores.

Mas os mitos que prevalecem podem ter explicações mais triviais. Como essas pérolas da lenda urbana: “comer carne crua torna os pets agressivos” e “dar peixe faz o pêlo cair”. As falsas informações envolvendo frutas advêm de suposições ou extrapolações equivocadas, como “cães não podem comer frutas cítricas” e “tomate é tóxico”. Tomate verde, assim como caule e folhas de tomate, concentram solanina, um antinutriente. Mas o tomate maduro é seguro.

Falta de conhecimento e também filosofias pessoais podem gerar meias verdades. Como quando alguns colegas não reconhecem o valor de uma dieta preparada com alimentos frescos à saúde dos pets. Ou ainda, no extremo oposto, quando ouço ou leio que somente determinada modalidade de dieta natural é verdadeiramente benéfica a todo e qualquer cão e gato, independente do seu estado clínico.

“Proteína prejudica os rins”

Proteína de boa qualidade – carnes, vísceras, ovos – não prejudica rins saudáveis de cães e gatos. A necessidade de reduzir o teor de proteína da dieta pode existir em quadro renal moderado. Pets idosos saudáveis também não devem ter proteína restrita da dieta – fazer isso não protege os rins e ainda prejudica a manutenção da massa magra e a imunidade dos velhinhos. Inflamação, infecções, questões genéticas, toxinas, uso de certos medicamentos, hipertensão e hidratação inadequada são causas de dano renal. (CASE et al, 2011; LAFLAMME DP, 2008; FINCO et al, 1992)

“Alergia a proteína”

Isso não existe, assim como não existe alergia a carboidrato ou a lipídeos. Essa percepção provavelmente vem de uma investigação alimentar mal conduzida, com inclusão de carne que seu pet já consumiu (sem você saber, pela ração ou por petiscos). É fundamental fazer a dieta de baixa exposição alergênica com uma veterinária experiente nessa conduta. Tem mais: outros quadros devem ser considerados: aumento da permeabilidade intestinal e alergias de causas menos influenciadas pela dieta.

“Ossos são sempre perigosos”

Ossos fornecem nutrientes, combatem o estresse, limpam os dentes (10.1371/journal.pone.0228146) e proporcionam comportamento típico da espécie. Canídeos e felinos sempre consumiram os ossos de suas presas, mas sempre crus. Ossos crus são digeridos, mas ossos cozidos ficam rígidos e resistentes aos processos digestivos. A oferta de ossos pode ter diferentes propósitos. Leia a respeito antes de oferecer. Comece aqui: https://www.cachorroverde.com.br/ossos-recreativos/

“Gatos precisam comer à vontade”

Passou da hora de desbancar esse mito, já que mais de 60% dos gatos tem excesso de peso. Descubra quanto alimento fornecer ao dia para o seu gato adulto, com base no peso saudável, idade e grau de atividade física e fracione esse total em 2-3 refeições diárias. Os defensores do “buffet 24h” para gatos alegam que essa prática previne lipidose hepática, mas para mim é o contrário: alimentação à vontade favorece obesidade, o principal fator de risco para esse grave quadro agudo.

“Só a ração…”

“…é baseada em estudos”. “…é 100% segura”. “…mantém dentes limpos”. Há bons estudos, inclusive brasileiros, sobre dieta natural. Rações podem conter toxinas fúngicas e bactérias (Kępińska-Pacelik et al; 2013), além de outros elementos potencialmente prejudiciais, como glifosato (ZHAO et al, 2018) e produtos de glicação avançada. A partir dos 3 anos de vida, estima-se que 80% dos pets tenham tártaro, mesmo comendo ração.

“Carnes cruas são sempre perigosas”

Um estudo publicado recentemente (Kępińska-Pacelik et al, 2023) mostrou que 100% das rações analisadas continham bactérias como E. coli, Clostridium perfringens, Proteus spp e Enterococcus spp. Em carnes cruas podemos encontrar Salmonella spp, Listeria spp, Campylobacter spp. Para reduzir riscos, tenha cuidado no transporte e armazenamento das carnes, lave mãos e utensílios após o preparo e a tigela do pet após cada refeição. Congelar profilaticamente as carnes não destrói bactérias, embora contenha sua proliferação, mas reduz o risco de transmissão de parasitos como toxoplasma e tênia.

“Alho é tóxico”

O alho é parente da cebola, realmente tóxica aos pets. Mas o alho tem 10x menos tiossulfato, elemento que pode induzir anemia, que a cebola. A dose tóxica foi descoberta em um estudo japonês de 2000 e repetido em 2004 (CHANG et al, 2004): 1 dente de alho por kg de peso do cão para começarem a surgir alterações nas hemácias. Um pouquinho de alho cru picadinho na dieta tem, inclusive, efeitos imunoestimulantes e antiparasitários. Para gatos, contudo, a dose segura não foi elucidada.

“Evite abacate, avocado e frutas cítricas”

Uvas e groselhas são as únicas frutas com potencial tóxico, dependendo da sensibilidade genética do pet a um componente. Pode causar dano renal e óbito. Abacate e avocado contêm no caroço, casca, caule e folhas grande quantidade de persina, elemento tóxico. Sirva apenas a polpa e com moderação, é calórica e gordurosa. Não faz sentido restringir frutas cítricas a pets saudáveis. O pH do suco gástrico deles é de cerca de 1.0. Já o do abacaxi fica entre 3.0 e 4.0, o mesmo da maçã.

“AN não precisa de suplementação”

Nutrientes comumente carentes na AN preparada em casa são manganês, zinco, iodo, ômega-3, vitaminas E e D e, para os gatos, taurina. Dietas sem ossos são deficientes em cálcio (e fósforo, para filhotes e gestantes). É fundamental saber que alimentos e suplementos da dieta atendem essas lacunas e se o fazem de maneira satisfatória. Existem muitas maneiras de suplementar de acordo a sua preferência, custos e aceitação do pet. Pesquise a respeito ou procure orientação adequada.

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

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