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A popularização da Alimentação Natural (AN) para cães e gatos trouxe muitos benefícios: maior ingestão de alimentos minimamente processados e variados, melhor hidratação e menor exposição a aditivos como conservantes e corantes sintéticos. Além disso, aproximou os tutores da rotina alimentar dos pets, promovendo um cuidado mais consciente.

No entanto, um ponto me preocupa cada vez mais: a negligência com a suplementação adequada das dietas caseiras que observo em uma parte dos tutores. Em quase 15 anos atuando com nutrição clínica, sempre atendi alguns pets que recebiam AN sem suplementação — isso nunca foi incomum. Mas recentemente, tenho visto mais claramente as consequências desse descuido: animais jovens com inadequada resposta imunológica, pelagem opaca, anemia, problemas de pele, perda precoce de dentes e até rupturas ligamentares com pouco esforço. Embora esses quadros também acometam pets alimentados adequadamente, são muito mais frequentes nos que seguem dietas não suplementadas.

Hoje, não há desculpas. Existem suplementos abrangentes específicos para AN, com ou sem ossos, para cães e gatos — disponíveis sem receita. Também é possível contar com prescrições individualizadas manipuladas em farmácias e até com orientação para uma suplementação baseada amplamente em ingredientes naturais.

Lembro de um cliente que me procurou porque seu cachorro tinha problemas de pele. Prescrevi uma dieta com suplementação, mas ele rejeitou todas as formas: comercial, manipulada e até a natural. Também não aceitava diversificar os ingredientes. Nesse caso, uma dieta natural comercial — já suplementada — seria mais segura, embora mais cara.

Expliquei que toda dieta caseira precisa de suplementação, sobretudo as pouco variadas. Que não prescrevo nada que não pratique com meus próprios animais. Falei sobre como os requerimentos nutricionais dos pets foram estabelecidos (ainda que grosso modo sejam mais aplicáveis à ração) e os prejuízos que a deficiência de vitaminas e minerais pode acarretar. Não sei se o convenci.

Se você também tem dúvidas sobre a necessidade de suplementar a AN caseira, confira abaixo 10 bons motivos para não abrir mão desse cuidado essencial.

1. Faltam nutrientes

Uma dieta composta por 35% de peito de frango, 35% de arroz integral, 12,5% de cenoura, 12,5% de abobrinha e 5% de fígado bovino apresenta deficiências importantes: cálcio, iodo, zinco, vitaminas D e E, além de ácidos graxos ômega-3. Sem o fígado, a dieta também se torna deficiente em cobre, vitaminas B12, B2 e ácido fólico. Já nas dietas cruas com ossos, é comum faltar iodo, vitaminas D e E, além de ômegas-3 quando não se oferecem peixes ricos nesse nutriente, como a sardinha. Carnes cozidas ou trituradas são, ainda, pobres em taurina — aminoácido essencial para os gatos.

2. Esses nutrientes importam

Veja o que a deficiência desses nutrientes pode acarretar:

  • Vitamina D: raquitismo, fragilidade óssea, aumento do risco de doenças crônicas
  • Vitamina E: falhas reprodutivas, degeneração da retina, aumento do dano oxidativo, fígado gorduroso
  • Vitamina B12: anemia, inapetência, diarréia crônica, perda de peso
  • Vitamina B2: dermatite, opacidade da córnea, perda de peso, fraqueza
  • Cálcio: fraturas ósseas, convulsões, espasmos musculares, inadequado desenvolvimento
  • Cobre: despigmentação, anemia, fraqueza muscular
  • Zinco: dermatite, infertilidade, imunidade baixa
  • Iodo: hipotiroidismo, pelagem seca e quebradiça
  • Taurina (em gatos): cardiopatia grave, imunidade baixa, cegueira irreversível
  • Ômegas-3: resposta imune desequilibrada, déficit cognitivo, atraso no desenvolvimento neurológico, coceira

3. Natureza x ambiente urbano

Mesmo uma dieta caseira variada e, eventualmente, orgânica (o que não é um requisito), está longe de reproduzir a alimentação dos parentes selvagens dos nossos pets. Não servimos carcaças completas e variadas e nossos pets não têm autonomia para buscarem espontaneamente nutrientes faltantes em fontes como caça, solo, vegetais, sementes, fezes de animais etc.

4. Animais selvagens x animais domésticos

A composição nutricional dos animais criados para consumo é diferente da dos selvagens. Cervos, lebres, aves e peixes selvagens consomem dietas mais diversas, se movimentam mais e, por isso, acumulam perfis distintos de proteínas, gorduras, vitaminas e minerais em seus tecidos. Além disso, a depleção dos solos agrícolas também compromete o valor nutricional dos vegetais que usamos.

5. Perdas no processamento

Moer a carne reduz o teor de ferro, vitaminas do complexo B e taurina. O cozimento — especialmente por fervura ou grelha — diminui o teor de cálcio, potássio, magnésio e vitaminas hidrossolúveis (como as do complexo B e a C). O congelamento inadequado, sem a correta vedação, pode levar à perda de vitamina C e do complexo B.

6. Tendemos a simplificar

Nos atendimentos, vejo muitos tutores começarem animados, variando a dieta e incluindo regularmente ingredientes densos em nutrientes como ovos, folhas verde escuras, vísceras diferentes e sardinha. Com o tempo, acabam repetindo sempre uma ou duas receitas e, muitas vezes, deixando de lado a pequena, mas muito importante, porção de vísceras. Quanto menor a variedade, maior a importância de uma suplementação abrangente.

7. Buscamos longevidade

Queremos mais do que apenas sobrevivência: desejamos que nossos pets vivam vidas longas ao nosso lado, com bem-estar. Esse objetivo vai além da seleção natural, e exige apoio nutricional consistente, principalmente diante de fatores modernos como estresse, poluição e contato insuficiente com a natureza. Vitaminas do complexo B, ômegas-3, antioxidantes (selênio, zinco, vitamina E), fibras e prebióticos são aliados essenciais.

8. Suplementar não é difícil

No mercado temos suplementos adequados para suprir as carências da Alimentação Natural caseira de cães e gatos.

  • Cão filhote recebendo AN cozida ou crua sem ossos: linha filhote da Food Dog, Nutroplus ou NutraSaffe
  • Cão adulto recebendo AN cozida ou crua sem ossos: linha adulto/manutenção das mesmas marcas
  • Cão ou gato filhote ou adulto recebendo AN crua com ossos: linha “dietas cruas com ossos” dos mesmos suplementos

Siga a dosagem indicada pelo fabricante e introduza o suplemento gradualmente, começando com 1/4 da dose final e aumentando a cada 3 dias.

9. Não esqueça dos ômegas-3

Além das vitaminas e minerais, é essencial garantir a oferta dos ácidos graxos ômegas-3, EPA e DHA. Inclua peixes ricos em ômega-3 (como manjubas, sardinhas ou cavalas) como pelo menos 5% da dieta, três vezes por semana. Se preferir, utilize óleo de peixe em cápsulas: a dose de manutenção recomendada é cerca de 50 mg de EPA + DHA por kg de peso, pelo menos três vezes por semana. (Lembre-se: somente dietas caseiras precisam de suplementação — as comerciais já vêm equilibradas.)

10. E se o pet não aceitar o suplemento?

Se houver recusa ou reações digestivas mesmo com introdução gradual, experimente outro suplemento. Ainda assim não deu certo? Procure uma boa profissional para formular um suplemento individualizado para ser aviado em farmácia. Também é possível equilibrar a dieta com ingredientes estratégicos, como alga kelp (iodo), farinha de ossos ou de cascas de ovos (cálcio), cravo triturado (manganês) etc. Só não vale descuidar da suplementação.

Resumindo:

Para quem costuma retrucar que “antigamente os pets comiam restos de comida e panelada de angu com bofe e viviam muito bem”, vale lembrar que:

  • os alimentos eram mais nutritivos, os solos mais ricos
  • o mundo era menos poluído, com menos exposição a toxinas ambientais
  • cães e gatos viviam soltos e muitas vezes complementavam sua dieta por conta própria
  • muitas doenças nem eram diagnosticadas, ou não se relacionavam com a alimentação

Referências

  1. Analysis of recipes of home-prepared diets for dogs and cats published in Portuguese, 2017, doi: 10.1017/jns.2017.31
  2. Nutritional Guidelines for Cats and Dogs, FEDIAF, 2024: https://europeanpetfood.org/wp-content/uploads/2024/09/FEDIAF-Nutritional-Guidelines_2024.pdf
  3. Your Dog’s Nutritional Needs, NRC: https://nap.nationalacademies.org/resource/10668/dog_nutrition_final_fix.pdf
  4. Your Cat’s Nutritional Needs, NRC: https://nap.nationalacademies.org/resource/10668/cat_nutrition_final.pdf

Sylvia Angélico
Médica Veterinária
pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

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