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Em abril fiz uma live pelo Instagram com minha querida amiga e colega Dra. Carmen Cocca (@bruxadobicho) sobre disbiose em pets, que gerou um enorme interesse. Por inexperiência no assunto acabei não gravando a live. Como há muitos cães e gatos disbióticos, gostaria de deixar aqui os principais pontos sobre esse importante assunto.

“Disbiose intestinal” significa ao pé da letra o desequilíbrio da população de microorganismos que habita o intestino. Chamamos de microbioma ou microbiota esse ecossistema composto por cerca de 100 TRILHÕES de bactérias, fungos, vírus e protozoários. Essa população vive (ou deveria viver) em simbiose com o hospedeiro, produzindo vitaminas B12 e K e fermentando partículas não digeridas de alimento para gerar ácidos graxos voláteis que nutrem as células intestinais e aumentam a sua capacidade de digestão e absorção. Um microbioma saudável apresenta uma maior proporção de microorganismos benéficos e menor de microorganismos patogênicos (causadores de doença). Mas o microbioma é fundamental não somente para a saúde digestiva, mas sistêmica.

Quando ocorre um desequilíbrio no ecossistema intestinal a mucosa digestiva inflama e perde a junção estreita que existe entre as células e que permite somente a passagem de moléculas simples para a corrente sanguínea, como vitaminas, glicose e aminoácidos. Chamamos isso de aumento da permeabilidade intestinal. Abrem-se canais por onde toxinas, vírus, pedaços de alimentos não digeridos e bactérias ganham o sangue. Isso atrai a atenção do sistema imune que deflagra processos inflamatórios para combater esses “invasores estranhos”.

O paciente disbiótico com frequência apresenta alterações digestivas como fezes amolecidas ou com muco, apetite desregulado (voraz ou inapetente), borborigmos (ruídos intestinais), ingestão de não-comestíveis (fiapos, pedras, papel etc), vômitos e um claro desconforto (ficar “mascando”, engolindo e/ou lambendo superfícies e até o próprio focinho sem parar).

A translocação de elementos reativos para o sangue pode dar origem a hipersensibilidades alimentares (reações a alimentos) e manifestações diversas no tecido cutâneo – ouvidos inflamados, coceira, secreção ocular, glândulas adanais impactadas, proliferação excessiva de leveduras e bactérias na pele – e reações menos óbvias como dores nas articulações, convulsões e alterações como medo, agressividade e comportamentos obsessivo-compulsivos.

A partir de uma disbiose não corrigida a tempo ou frequentemente repetida em um indivíduo mais sensível podemos ter o desenvolvimento de alergias, doenças auto-imunes e doença inflamatória intestinal crônica. É por isso que é tão importante cuidar do intestino de nossos pets – e do nosso também. Um microbioma saudável educa corretamente o sistema imunológico, o mantém na linha, consciente dos tecidos do próprio corpo e de quais são as verdadeiras ameaças a combater.

Infelizmente a forma como somos orientados a cuidar dos nossos pets atenta diretamente e diariamente contra o seu microbioma. A oferta de alimento industrializado com alto teor de carboidratos simples e contaminada com toxinas fúngicas e resíduos de herbicidas (como o glifosato) afeta a população bacteriana. A aplicação automática, muitas vezes desnecessária de vacinas, anti-pulgas convencionais e vermífugos, idem. O abuso na prescrição de antibióticos, corticoides, “prazóis” (inibidores de bomba de próton), também.

Some-se a isso a falta de exposição rotineira de muitos cães urbanos a “sujeiras” benéficas (ou “vitamina S”) como contato com grama, terra, lama, outros animais etc e a susceptibilidade particular de alguns indivíduos e temos um cenário propício para a disbiose e seus desdobramentos

É muito mais tranquilo prevenir a disbiose do que modulá-la depois. Então repense o estilo de vida e a dieta do seu peludo. Informe-se sobre probióticos e modalidades terapêuticas diferentes. Busque alternativas eficientes a condutas que massificam e agridem. Procure uma vet/um vet com quem você se sinta à vontade para dialogar, expôr seus receios e até gentilmente recusar serviços que coloquem em risco o microbioma do seu pet. Lembre-se: a saúde do seu peludo está mais nas suas mãos do que você imagina.

Referências:

  1. The Role of the Canine Gut Microbiome and Metaboiome in Health and Gastrointestinal Disease, 2020. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6971114 
  2. Effect of Fermented Medicinal Plants as Dietary Additives on Food Preference and Fecal Microbial Quality in Dogs, 2019. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31527540
  3. Improvement in Clinical Symptoms and Fecal Microbiome After Fecal Microbiota Transplantation in a Dog with Inflammatory Bowel Disease, 2019. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6898721
  4. The Gastrointestinal Microbiome: A Review. 2018. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5787212
  5. The relantionships between environment, diet, transcriptome and atopic dermatitis in dogs, 2018. https://pdfs.semanticscholar.org/9db3/2400c18edc8e516f5733f5ad10e9bc39a36b.pdf
  6. Diet may influence the microbiome composition in cats, 2016. https://core.ac.uk/reader/190785550
  7. Raw meat based diet influences faecal microbiome and end products of fermentation in healthy dogs, 2016. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5331737
  8. Microbes and gastrointestinal health of dogs and cats, 2010. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7199667

Sylvia Angélico
Médica Veterinária pós-graduada em Nutrição Animal
CRMV-SP 29945

Comunicado Cachorro Verde

As informações divulgadas em nossas postagens possuem caráter exclusivamente educativo e não substituem as recomendações do médico-veterinário do seu cão ou gato. Por questões ético-profissionais, a Dra. Sylvia Angélico não pode responder certas dúvidas específicas sobre questões médicas do seu animal ou fazer recomendações para seu pet fora do âmbito de uma consulta personalizada. Protocolos de tratamento devem sempre ser elaborados e acompanhados pelo médico-veterinário de sua confiança.

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